Depois de uma, duas, ou mesmo três horas em reuniões, até nós professores, habituados a estas andanças, começamos a definhar. O cansaço começa a surgir, os níveis de concentração diminuem e instintivamente começamos a pensar em algo que não está diretamente relacionado com o trabalho. Surgem as conversas paralelas, as piadas descontextualizadas e aquilo que poderia durar pouco tempo torna-se interminável. É altura de fazer uma pausa, de descomprimir, alongar os neurónios e voltar a focar. Se nós sentimos essa necessidade, então o que dizer dos alunos. Os seus “processadores” não estão preparados para aguentar tantas horas com elevados níveis de concentração. É como “enfiar” uma pen de não sei quantos gigas num leitor de disquetes. Sim, eles precisam de ser trabalhados de modo a ganharem hábitos e rotinas de trabalho para potenciar as suas capacidades. A minha filha diz que para o ano vai passar para a escola dos sentados e é verdade, as crianças precisam de aprender a estarem sentadas, aumentando os índices de concentração e a sua duração. É o início de uma longa caminhada. Mas estarão esses “processadores” preparados para lidar com tantas horas de trabalho escolar? Não estaremos nós a assistir a um “burnout”, que se manifesta através de comportamentos desviantes?
A carga letiva implementada obriga o subconsciente infantil a manifestar-se ao fim de algum tempo, afirmando de forma categórica e bastante expressiva que “já chega”. As crianças são puras e transparentes e, quando a “esponja” enche, enche mesmo. Normalmente os adultos têm tendência para catalogar esses comportamentos e “interesses divergentes dos escolares, défices de atenção, ou hiperatividades” estão normalmente no topo da lista. Não quer dizer que em muitas situações esses sintomas sejam reais, mas também é verdade que o ensino em Portugal está formatado para potenciar comportamentos divergentes. Do outro lado estão os professores que, além de terem de ensinar programas demasiado extensos, são obrigados a gerir esse cansaço. Conversa de psicólogo, dirão vocês… Talvez seja. Não sou psicólogo e baseio-me em factos que já vou referir. A alusão a “processadores” não foi por acaso. Nós não somos computadores e dentro das nossas caixinhas não existe apenas um emaranhado de fios. Temos sentimentos, desejos e carências, algo que um computador não tem nem manifesta. Precisamos de socializar, interagir e fomentar relações, e não é por acaso que decidimos viver em “caixotes” uns ao pé dos outros.
Um exemplo que valida o que afirmo são as interrupções letivas. São essenciais! Quem anda nas escolas sabe perfeitamente que alunos, professores e assistentes operacionais precisam de descanso e de se afastar uns dos outros para manterem uma relação que se pretende sociável…
Posso afirmá-lo, pois tenho dados que o comprovam, que nos finais dos períodos as situações de indisciplina aumentam, reflexo de uma saturação evidente de ambas as partes. As tais “férias” dos professores, muito criticadas pela sociedade em geral são fundamentais para repor o equilíbrio perdido. Não sou advogado dos professores, mas sei bem a quantidade de horas extraordinárias que estes fazem. É real! Costumo dizer que as interrupções letivas não são férias, mas sim a compensação pelas inúmeras horas extraordinárias não remuneradas.
Segundo os dados do Eurydice, Portugal apresenta das mais altas cargas letivas, principalmente em anos mais baixos. Ao contrário de outros países, como a “modelo” Finlândia, que apresenta muito menos horas letivas. Os resultados escolares e níveis de indisciplina são sobejamente conhecidos. Coincidências? Na educação é difícil haver coincidências…
No Estudo comparativo da carga horária em Portugal e noutros países, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, de 2014, é possível constatar isso mesmo.
O mesmo acontece na carga horária total na escolaridade obrigatória. Onde só a Holanda nos ultrapassa.
Qual é a criança/jovem que consegue apresentar altos níveis de concentração/desempenho durante tantas e tantas horas?
O que fazer?
É necessário rever currículos. A sua dimensão é, na minha opinião, demasiado extensa. Recentemente aumentou-se a carga letiva para as disciplinas ditas “nucleares”, retirando as áreas curriculares não disciplinares, mas os resultados preliminares não revelam uma melhoria significativa nessas áreas. Talvez o caminho devesse ser outro, otimizando currículos, centrando-os no que é essencial e eliminando o supérfluo, em vez de “atirar” mais horas para cima dos alunos.
É preciso alterar a duração dos intervalos porque 10 minutos não são intervalos. Servem para ir à casa de banho, mudar de sala e pouco mais. Não há descanso nem tempo para descomprimir.
O Psicólogo Eduardo Sá refere isso mesmo.
Ainda sobre os intervalos, recomendo o seguinte texto:
Recreio é essencial no sucesso escolar
Retomando…
No governo de Maria de Lurdes Rodrigues surgiu a ideia das aulas de substituição e foi um dos maiores disparates que já assisti. A pretexto do ambiente calmo no exterior da sala de aula o que se fez foi confinar os alunos dentro de quatro paredes. Naturalmente que os alunos, sentindo-se “enjaulados”, manifestaram o seu desagrado, ainda para mais quando os próprios professores nunca reconheceram a mais valia dessas aulas. Mas que aulas??? A indisciplina aumentou e foi uma tortura para todos. O que importava era que lá fora não houvesse barulho, mas alguém devia ter-se lembrado que a escola não é, nem nunca será, uma igreja e se estivessem dotadas dos assistentes operacionais em número suficiente, a indisciplina no exterior diminuía significativamente.
A própria duração das aulas é um problema. Aulas de 90 minutos, em certos casos, tornam-se demasiado extensas mas por outro lado, aulas de 45/50 minutos são demasiado curtas, segundo a opinião de alguns colegas. As diferentes áreas curriculares e o perfil das turmas deveriam ser motivos suficientes para dar uma verdadeira autonomia às escolas, conforme acontece na Holanda ou em Itália, deixando-as diferenciar aquilo que é diferente.
No entanto tudo isto seria desnecessário se a política educativa visasse o alto interesse da criança. Não é por acaso que outros países apresentam cargas letivas inferiores. Nesta matéria até mesmo os professores têm a sua cota parte de responsabilidade. Sendo eu professor, e escrevendo num espaço público, isto não fará de mim corporativista (no mau sentido da palavra). Digo o que penso, mesmo que para isso tenha de ir contra a maré… Em certos momentos a nossa abordagem também não é a mais correta, como por exemplo na elaboração dos horários, onde é muito frequente assistirmos a influências externas…
Existe um número exagerado de áreas curriculares e respetiva carga horária. Para mim isso é evidente. No entanto, para mudar esta situação é preciso sacrificar algumas delas e na conjuntura atual, sabemos bem o que isso significa… A tutela não desperdiçaria a oportunidade de poupar uns milhões de euros, sacrificando milhares de professores ao abrigo do imperativo défice público. No entanto, tal seria uma falácia, pois as escolas estão carentes de recursos, e esses professores seriam muito úteis para dar apoios a outros alunos ou mesmo para o desenvolvimento de outros projetos.
É preciso parar para pensar e analisar outros modelos de ensino. É necessário um espírito de compromisso por parte da tutela, professores e pais. Enquanto houver um discurso de confrontação e a política educativa estiver refém da política financeira e de ideologias, tudo continuará na mesma. É preciso estabelecer pontes que permitam verdadeiros diálogos entre os seus intervenientes e permitam a construção de alicerces sólidos, imunes aos egocentrismos dos seus responsáveis. É preciso pensar nas crianças… Se calhar, é preciso mudar toda uma sociedade…
As crianças, tal como as “panelas de pressão”, precisam de uma saída para deixar sair a pressão acumulada. Se acrescentarmos os trabalhos de casa e as atividades extracurriculares, estamos na presença de algo que posso apelidar de “overdose educativa”.
Artigo publicado no Blog "Com Regras"